Ponte Aérea Rio-São Paulo já teve avião “inquebrável” e champanhe

Bastava a chamada para embarque acabar e os funcionários abrirem os portões para uma competição digna de atletismo começar: passageiros saíam em disparada pelas pistas de Congonhas e Santos Dumont em busca dos melhores lugares no Electra, o mais famoso avião que operou na Ponte Aérea Rio-São Paulo.

É verdade, nem todos corriam, mas havia quem disputasse um lugar no conhecido lounge, uma espécie de saleta no fundo do turboélice que era o local ideal para executivos viajarem em fim de expediente na volta para sua cidade de origem.

Hoje, a ligação entre as duas mais importantes cidades do Brasil não lembra nem de longe esse período tão peculiar. Se por um lado não existia ainda o assento marcado na rota, por outro os passageiros desfrutavam de um serviço de bordo elogiado com direito a itens sofisticados como champanhe e uísque – bem diferente das barrinhas de cereais e água dos voos atuais.

Foi a época do Electra II, um turboélice quadrimotor de som inconfundível que dominou a ponte durante 16 anos até ser aposentado em 1992.

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Ponte Aérea Rio-São Paulo – De competição a reserva de mercado

Os voos entre o Rio de Janeiro e São Paulo começaram nos primórdios da aviação comercial brasileira, e se intensificaram após a Segunda Guerra, quando a oferta de aviões era grande e barata.

De uma cobertura de voo um tanto caótica, a ligação se transformou na conhecida ‘Ponte Aérea’ apenas em 1959, de forma improvisada quando os gerentes das companhias Varig, Vasp e Cruzeiro decidiram coordenar seus voos entre os aeroportos de forma a não se sobreporem e perderem passageiros para a companhia aérea mais agressiva da época, a Real Aerovias.

Congonhas

Congonhas na década de 60: ponte aérea era feita com vários tipos de aviões

Informalmente, as três companhias deixaram de exigir endossos nas passagens e, com isso, ficou fácil para o passageiro embarcar em qualquer um dos voos delas. Não demorou para que a direção de Varig, Vasp e Cruzeiro adotassem a prática de forma oficial.

O termo ‘Ponte aérea’ teria surgido de ninguém menos que Rubem Berta, na época presidente da Varig, e fazia menção aos voos de suprimentos dos países de Ocidente para manter Berlim, na Alemanha, capaz de sobreviver ao bloqueio comunista.

Despedida do Electra da Varig

Com a incorporação da Real pela Varig, aos poucos, o serviço foi ganhando mais padrão, sobretudo quando a Panair e a Sadia (futura Transbrasil) entraram para o pool de empresas.

No início, os voos eram realizados por uma variedade enorme de aviões, de modelos a pistão de pequeno porte e grande porte a turboélices de origens diversas. Aos poucos, no entanto, a Ponte Aérea foi se consolidando, dominada pela Varig, que em 1975 assumiu a Cruzeiro (dez antes já havia levado de brinde a Panair).

Nesse mesmo ano, o DAC decidiu obrigar o uso de turboélices no trecho, o que limitou o serviço ao Electra e ao ‘Samurai’, um aparelho de origem japonesa. Meses depois, um acidente com esse avião antecipou sua aposentadoria na ponte e o Electra, que havia estreado no trecho em 1962, passava a ser o único avião usado na rota.

Ponte Aérea Rio-São Pualo

Electra era capaz de levar 90 passageiros com conforto para os padrões da época

Demanda em alta

Na década 70, amparada no apoio do governo militar, a Varig mantinha uma reserva de mercado, sobretudo nos voos internacionais, proibidos a qualquer outra companhia.

Com a Ponte Aérea Rio-São Paulo, a situação era próxima disso. Com a junção de outras empresas, a companhia do Rio Grande do Sul chegou a acumular 71% dos voos entre o Rio e São Paulo – Vasp e Transbrasil dividiam o resto.

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Os aviões Electra, que chegaram a uma frota de 14 aeronaves, também eram da Varig enquanto a estrutura de atendimento e outros serviços divididos proporcionalmente entre os três membros do clube.

A idade avançada e o crescimento dos voos no país começaram a pesar no avião, desenhado pela companhia americana Lockheed, mais conhecida pelas aeronaves militares. Na década de 80, a Boeing tentou provar que uma nova versão do jato 737 era capaz de operar no Santos Dumont, cuja pista de apenas 1.300 metros era considerada curta demais para ele.

A mudança era mais pleiteada pela Vasp e Transbrasil, que também pressionavam pela revisão dos voos. A Varig, no entanto, relutou até onde pôde, mas no início da década de 1990, graças a uma nova tecnologia de pavimentação de pistas, tanto Santos Dumont passou a ter condições de operar jatos com segurança – Congonhas, com pista maior, já o fazia há muitos anos.

Varig

A aposentadoria em 1992, quando o Electra deu lugar ao Boeing 737-300

Antes disso, a então empresa regional TAM iniciava uma ofensiva que culminaria com a quebra das três grandes companhias nacionais. Em 1989, ela iniciou um serviço alternativo ao pool, batizado de Super Ponte, com turboélices Fokker F-27. Apesar de mais lentos e desconfortáveis, eles ofereciam um serviço de bordo caprichado e possibilidade de reserva de assento.

Em 1992, a era do Electra se encerrou. Vasp e Varig passaram a voar com aviões Boeing 737-300, seguidas pela Transbrasil mais tarde. A TAM, hoje Latam, (seguida pela Rio-Sul) deslocou o Fokker 100, então um jato moderno e fácil de operar, para competir no trecho.

A volta da competitividade elevou o serviço, mas vitimou as companhias mais antigas, cujas gestões eram mais engessadas e lentas. Com o tempo, Vasp, Transbrasil e, por último, a Varig deram adeus ao “filé mignon” do mercado de aviação brasileiro.

Em seu lugar, a TAM e a novata Gol assumiram o protagonismo da rota mais movimentada do país, mas em vez do charme, hoje quem voa entre o Rio de Janeiro e São Paulo já não corre pela pista nem tem uma experiência tão única que virou tema de músicas e muitas histórias.

Agente de Aeroporto